Há alguns anos atras, fui convidado
para uma recepção na casa de um amigo frances em homenagém a seus pais recém
chegados da Europa para visita-lo.
A certa altura da conversa
que se desenrolava bastante animada sobre musica erudita, sem nada dizer, pedi
ao musico para tocar ao piano o Adagio de Albinoni. Logo nos primeiros acordes
percebi um brilho diferente nos olhos da
mãe do anfitrião, senhora, à época, quase nonagenaria.
Seu nome, Marguerite Betini,
ouviu toda a peça em silencio com olhar perdido no vazio e no rosto a expreção
da serenidade. Ao final da musica me agradeceu e perguntou se seu filho havia
cobinado comigo para lhe fazer aquela surpresa, pois tal musica tinha para si um
sentido bastante profundo. E me disse
então: Vou lhe contar!
Durante a ocupação nazista
na França, Marguerite, à essa época uma jovem
e bela dançarina de balet, apresentava em um teatro local uma peça que
tinha como tema o Adagio de Albinoni. No meio da apresentação o teatro foi
invadido por oficiais nazistas e policiais franceses do governo
colaboracionista de Vichi. Foram todos presos e levados de Toulouse, sua cidade
natal, para Lion onde estava instalado o
campo de concentração da França ocupada.
Foi jogada em uma cela juntamente com outras trinta pessoas que
sussurravam baixinho, pois sabiam que de algum lugar alguem os espionava
intentando a obtenção de informações. De repente ouviram musica de gramofone.
Era o Adagio de Albinoni. Todos ficaram em silencio escutando os acordes
pungentes da bela canção, era um silencio reverente e mesclado de medo.
Marguerite nada entendeu.
Apos o fim da melodia,
apareceu diante da cela um jovem oficial SS elegantemente vestido em seu dolman
negro, ostentando além de sua beleza ariana, a caveira e a suastica. Todos
permaneceram em silencio com o terror estampado em seus rostos, se ouviam soluços aqui e ali entrecortados de preces.
Uma jovem e bela judia foi
arrancada brutalmente da cela e levada por dois soldados que o escoltavam. Se
ouviu novamente o Adagio, dessa feita, acompanhado de gritos de dor.
Os prisioneiros que já estavam
la a mais tempo, lhe explicaram que sempre antes das sessões de tortura,
estupros e outras vilezas, o monstro ouvia o Adagio de Albinoni.
Muitos dos prisioneiros estavam bastante combalidos
em razão dos maus tratos, da idade avançada e da ma qualidade da alimentação, o
que levou Marguerite a dedicar seu tempo a oferecer-lhes cuidados que lhes
amenizasse o sofrimento. Os mais jovens tomavam apenas a sopa rala e fétida e
escondiam as codeas de pão para dar aos mais velhos a noite. Quando muito
tiravam para si apenas um pedaço de pão que amassavam atê se tornar uma bola
rigida que colocam sob a lingua, onde deixavam dissolver lentamente. Era um
modo curioso de enganar a fome.
Em razão de seu espirito
alegre e inquebrantavel e do carinho que dispensava aos outros prisioneiros,
uma velha judia espanhola lhe apelidou de ANGELITA,
pequeno anjo em espanhol. Nome com que Marguerite se apresentou ao nos conhecermos
e que passou a adotar apos a libertaçao pelas tropas aliadas.
Angelita, não era judia,
fora presa por fazer parte da resitencia francesa, pelo que foi brutalmente
torturada. No carcere conheceu um jovem resistente, aquele que viria a ser o
seu companheiro de toda a vida, o pai de seu filho.
Lhe perguntei a razão de
tanta alegria depois de tudo que sofrera, ao que respondeu que, primeiramente,
havia sobrevivido e la conhecera seu marido, que as torturas lhe ensinaram a
conhecer seus limites, a levaram ao auto conhecimento, pois so aprendemos isso
quando somos verdadeiramente colocados à prova, e principalmente aprendera a
conhecer a natureza humana, o quanto de maldade poderia se esconder atras de um
belo rosto, como o daquele jovem oficial. E disse com um sorriso radiante: E mais, ouviamos o Adagio todos os dias.
Angelita, não obstante seus
quase noventa anos, tinha limpidos olhos azuis de adolescente que sorriam junto
com seus labios. Era uma criatura apaixonante, daquelas que se fazem notar
apenas com sua simples presença.
Angelita me disse então que
perguntara, pro forma, seu eu havia combinado a surpresa com seu filho, pois
sabia que tal não se dera, vez que o Adagio sempre estivera ligado aos eventos
mais importantes de sua vida.
Esta manhã bem cedo, meu vizinho
escutava o Adagio de Albinoni, não pude deixar de lembrar de Angelita. Onde
estara, posto que jâ não esta mais entre nos. Se existe o paraiso idealizado
pelas religiões, Angelita deve estar la em um lugar de honra, aqueles
reservados aos anjos.
By Douglas Martinez.
Nenhum comentário:
Postar um comentário